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Espiões
da roupa suja
Contratar detetives para provar um adultério
era questão de honra. Hoje, é uma forma de
obter vantagens na separação
r
osana Zakabi
EX-MARIDO
RICO, PENSÃO MODESTA
Desde
que se separou, a capixaba Sylvana Carvalhinho trava uma
batalha com seu ex-marido por causa da pensão alimentícia
do filho, de 4 anos. A família do ex, segundo Sylvana,
é milionária, dona de uma empresa de reparos
navais, mas está tudo em nome de terceiros. Ele alega
na Justiça que é apenas um funcionário
da companhia, com salário de 800 reais por mês.
Por isso, o juiz determinou uma pensão mensal abaixo
desse valor. Sylvana contratou detetive e conseguiu evidências
de que o ex leva vida de rico, mas as provas não
foram aceitas pelo juiz. "Meu ex-marido circula pela cidade
de Audi e Mitsubishi, mas afirma que tudo é emprestado
ou presente de família", diz ela, que vai recorrer
na Justiça. |
Cônjuges desconfiados
de que o parceiro é infiel sempre foram os melhores
clientes dos detetives particulares. Com as evidências
em mãos, é fácil encostar o traidor
ou a traidora na parede e pedir explicações.
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Diante
do aumento no número de divórcios e separações
no país nos últimos anos, os serviços
de investigação particular não apenas
proliferaram como se prestam a outro objetivo. Hoje, além
de quererem comprovar o adultério por razões
pessoais, homens e mulheres lançam mão de detetives
para obter provas que lhes dêem vantagens jurídicas
no processo de separação. "No fim da década
de 90, meu escritório investigava seis cônjuges
por semana. Agora, o número chega a quinze", diz o
detetive Edilmar Lima, da Central Única Federal dos
Detetives do Brasil, em Brasília. São quatro
os principais motivos que levam alguém a investigar
o parceiro ou o ex-cônjuge:
•
Levantar seu patrimônio pessoal para pedir uma pensão
alimentícia mais alta.
•
Obter provas de adultério para ganhar a guarda dos
filhos ou para conseguir se separar mais rapidamente, em caso
de litígio.
•
Comprovar que o cônjuge colocou os bens no nome de um
laranja para deixar o outro sem nada ou para pagar pensão
alimentícia menor.
•
Buscar evidências de que a ex-mulher ou o ex-marido
não tem condições morais ou psicológicas
para manter a guarda dos filhos.
Uma
pesquisa concluída há dois meses pela advogada
paranaense Ana Cecília Parodi em 307 escritórios
de advocacia em todo o país mostrou que, entre aqueles
especializados em direito de família, 21% utilizam
serviços de detetives. Dez anos atrás, esse
índice não chegava a 5%. O estudo, que será
publicado no próximo livro da advogada, um guia jurídico
para leigos, também mostra que um quarto dos escritórios
que lançam mão de detetives mantem parceria
fixa com alguma agência de investigação.
Esse tipo de associação, uma década atrás,
era raríssimo. Os escritórios de advocacia ainda
investigam por conta própria a maioria dos casos que
lhes chegam às mãos. Com a ajuda do cliente,
os advogados tentam reunir documentos que vão beneficiá-lo
no processo de separação. Mas nem sempre se
conseguem evidências contundentes, que provem a roupa
suja do cônjuge. Aí é que entra o investigador
particular, que pode seguir a pessoa a ser averiguada dia
e noite e vasculhar sua vida sem levantar suspeitas. Os detetives
cobram de 150 a 500 reais por dia, dependendo da dificuldade
do serviço, que dura em média duas semanas.
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FLAGRANTE NO MOTEL
A funcionária pública de Brasília D.R., de 24 anos, começou a suspeitar que seu marido a traía em dezembro do ano passado. "Ele passou a chegar tarde em casa e a se afastar de mim para falar ao celular", diz. D. contratou um detetive e, após uma semana, conseguiu a comprovação dos fatos: o marido foi filmado entrando num motel com um rapaz. D. pediu a separação e, com o vídeo em mãos, exigiu que o marido abrisse mão da pensão alimentar que ela teria de lhe fornecer por ele estar desempregado.
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O
detetive Rafael Gomes, da agência Márcia e
Rafael, do Rio de Janeiro, mantém convênio
com 3 5 escritórios de advocacia especializados em
família. Diz Gomes: "Hoje conseguimos provas muito
mais precisas do que no passado graças à tecnologia
dos equipamentos utilizados na investigação.
Isso incentivou os advogados a procurar mais nossos serviços".
Na agência carioca, os clientes típicos são
mulheres casadas que desejam se separar porque sabem que
são traídas ou desconfiam que o marido desvia
os bens da família – mas enfrentam resistência
do cônjuge. Ao obterem provas da traição
ou do desvio dos bens, elas conseguem a separação
mesmo à revelia do marido. Diz a carioca L.P., de
27 anos: "As provas que os detetives conseguiram aceleraram
meu processo de separação. Se eu dissesse
apenas que queria me separar, sem apresentar evidências
de traição, o juiz faria várias audiências
para tentar um acordo e ver se havia chance de reatar a
união. Seria um procedimento lento e desgastante
"De
acordo com a pesquisa da advogada Ana Cecília, quando
as causas chegam aos tribunais, na maioria das vezes os
advogados omitem que as provas foram obtidas por meio de
detetives. "Menos de 10% dos advogados informam o juiz de
que as evidências anexadas nos processos foram coletadas
com a ajuda de um investigador", diz ela. E nem todas as
provas coletadas chegam à Justiça, por um
motivo simples: boa parte delas é obtida de maneira
ilegal. A escuta telefônica, por exemplo, só
pode ser feita com autorização judicial, mas
nem sempre os detetives esperam a decisão do juiz
para fazer o serviço. Instalar uma câmera no
escritório do cônjuge a ser investigado ou
entrar em seu computador também pode caracterizar
invasão de privacidade. Provas conseguidas dessa
maneira, ainda que não valham como documento no processo
judicial, servem para nortear os advogados sobre que caminhos
seguir. Se o detetive consegue descobrir por meios pouco
ortodoxos que o marido está desviando os bens da
família, será muito mais fácil para
os advogados obter documentos legais que comprovem esse
fato. .
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A
CLIENTELA AUMENTOU
O detetive carioca Rafael Gomes viu sua clientela triplicar
nos últimos dez anos. "Meus clientes típicos
são mulheres que querem provar a traição
ou o desvio de bens por parte do marido", ele diz. Nem
todas as provas levantadas pelos detetives chegam à
Justiça, porque muitas vezes são obtidas
de forma ilícita. Mas elas servem para nortear
os advogados sobre o caminho a seguir.
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Segundo
o Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam),
uma associação nacional de advogados e juízes,
o próprio Código Civil Brasileiro incentiva
indiretamente a ação dos detetives ao instituir
a figura do culpado pelo fim do casamento. De acordo com
a lei, se as provas apontam que um dos cônjuges é
responsável pelo fracasso da união, ele pode
ter de pagar indenização ao parceiro por danos
materiais e emocionais. O adúltero é automaticamente
apontado pela lei como culpado pelo fim do casamento. O
cônjuge que legalmente recebe a pecha de culpado perde
o direito à pensão alimentícia ou ganha
uma pensão menor. Comprovar a culpa do outro no fracasso
da união é um dos principais motivos que levam
os casais a travar brigas homéricas nos tribunais.
"A figura do cônjuge culpado é um atraso do
ponto de vista jurídico", diz o advogado Rodrigo
da Cunha Pereira, presidente do Ibdfam. "Casamentos nunca
se desmancham por culpa exclusiva de um dos parceiros. Muitas
vezes o cônjuge trai porque o casamento já
acabou", ele completa. Existe um projeto de lei, elaborado
pelo Ibdfam, que extingue o fator culpa do Código
Civil. Ele ainda aguarda aprovação no Congresso
Nacional.
Enquanto
a lei não muda, muitos juízes utilizam o bom
senso em suas decisões, evitando apontar culpados
nos processos de separação. Nos últimos
cinco anos, o adultério passou a ser usado como argumento
nas decisões dos processos apenas se existir um pacto
pré-nupcial, firmado por meio de contrato, estipulando
penalidades no caso de traição. A culpa geralmente
só entra em pauta quando há evidências
de maus-tratos ao cônjuge ou aos filhos ou ainda em
casos de desvio de patrimônio. Não é
só no Brasil que os casais contratam detetives. Uma
pesquisa da consultoria britânica Grant Thornton feita
há três meses mostrou que 49% dos casais que
se separaram na Inglaterra no ano passado recorreram aos
serviços de investigação particular
para checar possíveis traições. Os
principais clientes – 61% – foram as esposas.
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Fotos Selmy Yassuda e Marcelo Kura
Com
reportagem de Daniel Salles e Márcio Orsolini
Sou um cérebro, Watson. O restante de mim é um mero apêndice”
Sherlock Holmes
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