ÉPOCA
- Um caso breve é diferente de um longo?
Mira - Na minha opinião, quem mantém um caso
longo não é pior do que quem trai por apenas
uma noite. Não existem regras para apontar o que é
mais ou menos grave. O que importa é que foi cruzada
a barreira do trair ou não trair. Se o seu parceiro
se sentiria mais machucado se soubesse que você teve
um caso longo, não cabe a mim opinar a respeito. Também
não posso dizer que a traição de apenas
uma noite não é tão grave assim. O que
posso afirmar é que você não pode dizer
às pessoas que as duas traições são
diferentes. Cada um lida da sua forma com o fato.
ÉPOCA - Quais seriam
os limites da traição de uma pessoa boa?
Mira - O motivo é o aspecto crítico. Trair
só porque está afim, sem nenhuma preocupação
com os sentimentos do parceiro, está muito além
do limite.
ÉPOCA
- A senhora afirmou que uma das piores coisas para uma pessoa
que traiu é a culpa. Mas ela não é um sinal
de remorso?
Mira - Ter culpa é bom até um certo ponto.
É um sinal de que a pessoa tem norteadores morais.
Se você não se sentir culpado após trair,
você pode ser um sociopata, alguém incapaz de
se importar com os outros. Mas cegar-se pela culpa pode ser
muito prejudicial. Pode levar as pessoas a fazerem coisas
que não ajudarão. Como, por exemplo, se sentir
tão culpado por trair e por isso permanecer no casamento
mesmo que ele esteja claramente morto. Ou, então, sentir
tanta culpa e não conseguir encarar o parceiro, mesmo
que o casamento possa e deva ser salvo. Quando o sentimento
de culpa o torturar, não ceda à tentação
de contar sobre o affair. A melhor coisa a fazer é
procurar um conselheiro sábio e experiente para ajudar
a controlar os sentimentos e evitar atitudes precipitadas.
ÉPOCA -
O sentimento de fazer algo errado e secreto estimula as pessoas
a trair?
Mira - Para algumas pessoas isso pode ser excitante, mas
não para a maioria. Na maior parte dos casos, as pessoas
estão sufocadas, desesperadas, e podem fazer qualquer
coisa. Por isso traem e correm tantos riscos.
ÉPOCA -
Relacionamentos abertos são considerados adúlteros?
Podem ser saudáveis?
Mira - Um relacionamento aberto não é adultério
se realmente for uma escolha mútua verdadeira. Eu,
pessoalmente, nunca vi um relacionamento aberto dar certo.
ÉPOCA
- Muitos casais só se descobrem verdadeiramente com a
convivência diária após o casamento e percebem
que as expectativas são diferentes. Como salvar uma relação
em que as necessidades dos parceiros são diferentes?
Mira - Com terapia conjugal. É a melhor maneira para
casais com problemas conjugais encontrarem seu caminho de
volta um para o outro. Sem mediação, os casais
não conseguem sair de uma relação ruim,
mesmo que eles próprios sejam terapeutas. Odeio ter
que dizer que é a única maneira, mas não
pode ser feito sem ajuda profissional. É como o trabalho
de uma parteira: pode dar certo, mas há muitas maneiras
de as coisas darem errado.
ÉPOCA -
A senhora disse que cerca de 47% dos homens casados e 35% das
mulheres casadas estão propensos a se envolver com outra
pessoa. Essa taxa era diferente décadas atrás?
Mira - A grande mudança é a quantidade de mulheres
traindo. Elas estão traindo mais. Isso ocorre porque
agora elas têm mais oportunidade de trair: estão
morando nas cidades e tendo vidas independentes. A natureza
humana e a oportunidade são dois fatores determinantes
nas taxas de adultério. A natureza humana é
a mesma, elas agora têm a oportunidade. Mas se você
quer mencionar números importantes, eu diria que há
50% de chance de uma pessoa ser afetada por uma traição
durante sua vida afetiva. Como cada um reagirá a isso?
É uma coisa terrível, mas que somos obrigados
a lidar. Para piorar a situação: como você
lida com a possibilidade de pegar uma doença com a
traição? Por isso eu digo: não traia,
por mais que em alguns casos a traição traga
benefícios.
ÉPOCA -
Como a traição é vista culturalmente?
Mira - Não existe cultura onde a traição
não seja condenada. A diferença está
na percepção dos aspectos mais importantes.
Em algumas culturas, o mais importante é como a traição
é vista pelas outras pessoas. É uma questão
de vergonha. A vergonha vivida diante dos olhos da comunidade.
Isso está enraizado na cultura mediterrânea,
na cultura árabe. Alguns países muçulmanos
ainda apedrejam as adúlteras. O que importa é
a maneira como você é visto pela sociedade. Em
outras culturas, a cultura ocidental principalmente, o conceito
de traição está mais ligado à
confiança, à capacidade de confiar em outra
pessoa para construir algo em comum, à sensação
de que a outra pessoa esconde segredos de você. Claro,
as coisas não são pretas ou brancas (oito ou
oitenta). O pesadelo de todos que conheço que foram
traídos é a possibilidade de a comunidade descobrir
e, daí, ter de lidar com a piedade deles ou com a sensação
de fracasso e inferioridade. Mas a grande diferença
multicultural é o senso de qual é o fator predominante.
ÉPOCA -
Como a senhora vê os casos de Bill Clinton (ex-presidente
americano que teve um caso com uma estagiária da Casa
Branca) e Elliot Spitzer (ex-governador de Nova York que saiu
com uma prostituta)?
Mira - Todos me perguntam sobre Spitzer. Mas não posso
falar sobre a relação das pessoas a não
ser que eu as tenha tratado. Não seria ético.
O que aprendi em meus 33 anos de prática clínica
é que o que você do lado de fora é muito
diferente do que se passa por dentro. As pessoas encenam sua
vida afetiva e mostram aquilo que querem. Creio que consigo
ver com mais facilidade o que se passa dentro das pessoas,
mas ainda assim sou consciente de que o que vejo é
apenas uma versão. Não fui terapeuta dessas
pessoas e o que sei está nos jornais. E assim como
há comentários falsos sobre meus livros, sei
que foram publicadas muitas coisas equivocadas sobre os dois.
ÉPOCA -
A senhora já traiu? Como se sentiu depois?
Mira - Nunca. Sou incapaz de machucar alguém. Não
estou me gabando, é a maneira como meu sistema nervoso
foi construído. Mas meu marido teve um caso e eu fiquei
arrasada. Senti na pele o terrível dano que a traição
provoca. Desperdicei muito tempo e me machuquei muito presa
à idéia de que ele era uma pessoa ruim. Com
o tempo, percebi que ele era o homem bom que sempre conheci.
Eu também não estava isenta de culpa no caso.
Estava tão voltada para o meu trabalho que me afastei
de meu marido e o fiz pensar que eu não ligava para
ele. Teria nos ajudado muito se, em vez de brigar, tivéssemos
nos esforçado para compreender o que o levou a me trair.
Fizemos esse exercício de compreensão depois
e estou muito orgulhosa.
ÉPOCA
- E o que a senhora aconselharia a quem descobriu que o parceiro
andou traindo?